Terrorismo com consciência social

Mord, Sprengstoffverbrechen, Banküberfälle u.a. Straftaten, [1972]
Produção alemã conta a história do grupo terrorista Baader Meinhof. Autoproclamados militantes de esquerda, eles confrontaram a política conservadora da Alemanha Ocidental, na década de 1970
Bruno Garcia

Atentados com carros bomba, sequestros de aviões, autoridades assassinadas. O cenário: a Alemanha Ocidental da década de 70. Em O grupo Baader Meinhof (2008), o diretor alemão Uli Edel conta a história da formação e da atuação da Facção do Exército Vermelho (RAF, em alemão) a partir da polarização entre esquerda e direta no país e do crescimento da hostilidade entre os diferentes partidos e organizações políticas. Bastante detalhista, o filme passa pelos principais eventos do período, apresentando a atmosfera de tensão que o país passava ao longo do processo de reconstrução após a Segunda Guerra Mundial.

Geralmente, associamos a figura do terrorista ao fundamentalista islâmico com pouca educação e facilmente seduzido por ideologias apocalípticas. Mas frequentemente esquecemos que o terrorismo tem uma história muito mais perturbadora e próxima do que gostamos de lembrar. Na Alemanha da década de 70, estudantes, jornalistas e outros jovens idealistas, se rebelaram com o que julgavam ser um estado fascista, comprometido com o imperialismo norte americano, que teimava em destruir países miseráveis e distantes como o Vietnã.

O grupo alemão RAF era movido por um messianismo revolucionário e pelo uso do terror como combate ao capitalismo. Liderados por Andreas Baader, sua namorada, Gudrun Ensslim e, mais tarde, a jornalista Ulrich Meinhof, o grupo chegou a receber treinamento na Jordânia, junto com grupos que lutavam pela independência da palestina, e, adotando táticas de guerrilha urbana, produziu uma onda de violência sem precedentes na recém-criada Alemanha Ocidental.

Os protestos de 1968

O filme de Edel começa com os lendários protestos de 1968. O movimento que, por todo mundo, ficou conhecido por produzir lemas como Paz e Amor¸ pela liberdade sexual e o combate à Guerra do Vietnã, teve dimensões muito mais dramáticas em solo alemão. Inconformados com a presença de autoridades com passado nazista no novo governo, e com o ostensivo alinhamento com o Imperialismo Americano, jovens alemães se acotovelavam nos comícios da Social Democracia.

Àquela altura, os sonhos da nova esquerda alemã dependiam de um jovem estudante de sociologia que ficara conhecido por arrastar multidões de entusiastas aos seus pronunciamentos. Em 1968, Rudi Dutschke era a grande figura política em ascensão. Marxista e líder da Juventude da Social Democracia, Dutschke passou a aparecer com frequência em debates públicos.

No dia 11 de abril, atendendo às manchetes de jornais conservadores, como o Bild-Zeitung que frequentemente dava notícias como como “Parem Dutschke já”, um jovem reacionário atira contra o rebelde, deixando-o em estado grave. O atentado chocou a esquerda alemã e produziu uma rápida radicalização. Andreas Baader e Ensslin Gudrun, que puseram posto fogo em uma loja de departamento em Frankfurt poucos dias antes do atendado, julgaram necessária a luta armada contra o Estado. Gudrun diria mais tarde: “Não se discute com a geração que criou Auschwitz!”.

Criado em 1970, o grupo ficou popularmente conhecido como Baader Meinhof depois que a jornalista Ulrich Meinhof colaborou com a fuga de Andreas. Dali em diante, entre exílios e operações clandestinas, aqueles jovens ganharam a notoriedade internacional, recebendo o apoio de estudantes de todo mundo por desafiarem as autoridades com recursos escassos e enorme entusiasmo.

Oficialmente, o grupo só foi extinto em 1998, quando a Agencia Reuters recebeu um documento de oito páginas anunciando sua dissolução. O filme, no entanto, se concentra na primeira geração, que foi quase toda presa entre 1973 e 1974, e a segunda, que em nome dessas lideranças, produzem o que ficou conhecido como Outono Alemão, em 1977. Entre os principais atentado estavam o sequestro do voo 181 da Lufthansa, que ia de Palma de Mallorca para Frankfurt e assassinato do banqueiro Jürgen Porto.

grupo3

Terrorismo à moda alemã

O terrorista, representado hoje em dia como uma criatura irracional, desnecessariamente agressivo e facilmente corrompido por ideologias autodestrutivas, pouco tem com a forma como são tratados aqui. O filme tem o cuidado de não heroicizar o grupo, nem de banalizar suas reivindicações. O intermédio é feito pelo personagem de Horst Herold, vivido no filme pelo legendário Bruno Ganz. Reconhecido hoje como provavelmente o melhor policial que a Alemanha já teve, Herold ficou conhecido pela caça bem sucedida aos terroristas da RAF e, especialmente, por sua sensibilidade em interpretar a lógica por trás dos atentados enquanto as autoridades teimavam em simplesmente demonizá-los.

Aos mais atentos, o longa-metragem apresenta uma análise lúcida sobre o estado dos estados da Europa Ocidental durante a Guerra Fria. Uma análise muito pouco animadora, distante do discurso tradicional de mundo livre comprometido com a democracia e a liberdade. Autoproclamados bastiões da democracia contra o totalitarismo, os regimes ocidentais estavam cobertos por governos conservadores que subordinavam liberdade à segurança.

Enquanto na Espanha e em Portugal, os regimes autoritários anteriores à guerra se mantinham firmes até a metade da década de 70, a Inglaterra dava boas vindas à era de Margaret Thatcher. A ditadura grega, conhecida com Junta Militar, tinha o apoio dos Estados Unidos, enquanto o conservadorismo francês chegava no limite com as revoltas estudantis de 1968. Em outras palavras, a Alemanha Ocidental, que deveria fazer frente ao regime comunista que partira o país, era somente o exemplo mais dramático de como a ideia de liberdade e democracia estavam subordinados à segurança e à lógica do conflito da Guerra Fria.

Esse contexto, somado à ainda presente memória do nazismo, criara a estranha sensação de que o mundo não estava exatamente no caminho certo. O clima de tensões e ambiguidade é magistralmente apresentado no filme. Destaque para os pais de Gudrun: Ao saírem do julgamento da filha, pelo incêndio da loja de departamentos em 1970, eles declaram à televisão que ao se sacrificar em nome de uma causa maior, o gesto libertou a família de um passado sombrio que eles próprios não sabiam como lidar.

Baseado no livro de Stefan Aust, a obra faz parte de uma série de produções alemãs, que desde a década de 90 tem se comprometido em discutir momentos delicados de sua história no século XX. Nenhum outro país vem abrindo suas próprias cicatrizes de forma tão incisiva como os alemães. Tudo isso sem cair no óbvio ou caricato. No filme de 2008, a História está a serviço de uma reflexão maior, e cada vez mais necessária nos nossos dias. Demonstrando que pessoas comuns são capazes de ações extremas, o filme escapa dos maniqueísmos baratos, tão comuns após o 11 de Setembro, e visita um período difícil e repleto de possibilidades de forma responsável e lúcida.

Deixe um comentário